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domingo, 4 de dezembro de 2011

A SEXUALIDADE DAS CRIANÇAS QUE VÊEM TV

As crianças e a sexualidade que vêem na TV - Maycon Oliveira
Poucas são as lembranças do tempo em que as tardes na TV eram dedicadas integralmente às crianças. Quem se lembra do heróico Capitão Aza, da turma da Vila Sésamo ou da inseparável dupla Shazan e Xerife? Ícones dos anos 60 e 70, estes personagens saíram de cena e deram lugar às reconstituições de crimes bárbaros, tiroteios reais, imagens de brigas e simulações de sexo. Mas, apesar de ainda existirem programas totalmente compostos por atrações infantis, muitos meninos e meninas preferem os programas televisivos inadequados para a sua idade. Este foi o tema da tese de doutorado de Eliane Borges, da Faculdade de Educação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em março de 2004. A pesquisadora estudou a relação das crianças com a televisão e o que elas pensam a respeito das cenas de sexo e violência exibidas nos canais abertos brasileiros.
Os resultados do trabalho se baseiam em uma pesquisa realizada com 90 crianças - 44 meninos e 46 meninas - no período de agosto a setembro de 2003, em quatro escolas de Florianópolis. Os entrevistados têm entre 9 e 11 anos de idade e cursam a quarta série do ensino fundamental. Segundo a autora, esta faixa etária foi escolhida porque representa o período em que as crianças começam a deixar a infância e ingressar na puberdade.
Para muitas crianças, a TV tornou-se a única forma de entretenimento.
Na primeira parte do trabalho, foram distribuídos aos alunos questionários que abordavam a relação das crianças com a TV. A pesquisa apontou que a presença da televisão na infância é reconhecida como uma atividade de lazer, chega a concorrer com as brincadeiras próprias à idade e, para muitos, tornou-se a única forma de entretenimento.
Em todas as escolas, mais de 70% dos estudantes responderam que assistir TV é a principal atividade fora da sala de aula. Cerca de 42% dos entrevistados afirmaram ainda deixar a televisão ligada durante as brincadeiras e 67,39% na hora das refeições.
Hoje, os programas destinados ao público adulto acompanham o crescimento da audiência formada pelas crianças. Mas está enganado quem pensa que a garotada não liga mais para os desenhos animados. Quase metade dos entrevistados elegeu os desenhos como a melhor atração da TV. Em segundo lugar, com apenas 9,78% da preferência, apareceu a novela adolescente Malhação, da Rede Globo.
A posição dos pais quanto ao que os filhos assistem na TV também foi retratada na pesquisa. Enquanto 36,96% considera as representações de sexo na televisão inadequadas aos filhos, 14,13% têm como preocupação as cenas de violência. Segundo as crianças, a maioria dos pais, cerca de 64%, independentemente da condição socio-econômica, controla o conteúdo da programação ou estabelece limites de horário. Os resultados indicaram ainda que esse controle é maior sobre as meninas do que sobre os meninos.
Kubanakan: a combinação entre o sexo e a violência "engraçada"
Na segunda etapa da pesquisa, Borges promoveu duas sessões de desenho, uma dramatização e a análise de um trecho da novela Kubanakan. De acordo com a pesquisadora, "a principal marca da trama era a grande centralidade que nela ocupavam o corpo e a sexualidade". A autora da tese exemplifica que Kubanakan teve mais de 1.500 beijos em quase trezentos capítulos, ou seja, uma média de cinco beijos por episódio. O protagonista Esteban, interpretado pelo ator Marcos Pasquim, beijou por volta de novecentas vezes, em um total de mais de trinta mulheres e ficou cerca de 80% da novela sem camisa.
Tanto despudor gerou polêmica. Em dezembro do ano passado, a novela da Rede Globo recebeu o maior número de reclamações e ficou em primeiro lugar no ranking da campanha Quem financia a baixaria é contra a cidadania, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Ao todo, foram 130 representações contra a novela, a maioria contra o apelo sexual e a incitação à violência. Os autores da trama contestaram, alegando que a violência exibida em Kubanakan era de brincadeira, assim como as disputas das histórias em quadrinhos.
Parece que as crianças também pensam assim. Durante as dramatizações realizadas pelos alunos na pesquisa de Eliane, a violência foi demonstrada por brigas, desde discussões verbais até a troca de socos e pontapés em quase todas as cenas. Mas ao serem questionados pela pesquisadora se a violência na novela era assustadora, as crianças responderam: "Não, é engraçada...".
Ao comentarem espontaneamente a novela, os estudantes destacaram o aspecto físico. A beleza do elenco foi lembrada por adjetivos como forte e musculoso para os homens, e magra e delicada para as mulheres. A beleza é considerada uma característica importante para dois terços dos entrevistados. Trinta e cinco crianças acreditam que é necessário ser bonito para ser amado pelas pessoas e quarenta entrevistados consideram a beleza um atributo fundamental para serem felizes.
Para Eliane Medeiros Borges, as crianças foram recentemente descobertas como consumidores potenciais do mercado globalizado, e isso marca a relação delas com a televisão. Quando a TV mostra modelos de corpo e de sedução que atingem diretamente os mais jovens, induz ao consumo de uma série de produtos, alguns dos quais só nas últimas duas décadas passaram a fazer parte dos objetos para crianças, tais como cosméticos, maquiagens, roupas e calçados imitando vestimentas adultas, etc. Numa outra dimensão, as crianças, erotizadas por meio da identificação com personagens e representações televisivos, e produzidas para seduzir, tornam-se objeto de desejo, numa espécie de processo de pedofilização da sociedade.
Mas Eliane pôde compreender, ao longo da pesquisa com as crianças, que elas não são completamente indefesas nesse processo de transformação da infância em mercadoria. Muitas crianças criticam os conteúdos da televisão, os modelos de corpo que lhes são impostos, o consumo, e revelam um surpreendente conhecimento dos mecanismos por trás da produção das mensagens que recebem. Assim, uma menina, ao ser questionada sobre os motivos da cenas mais picantes nas novelas, foi direto ao ponto: - É necessário, para o Ibope, alguma novidade...
O olhar da pesquisadora
Ao comentar para a Aurora o que mais lhe chamou atenção durante a realização do trabalho, Eliane Borges destaca o seguinte:

1. "É interessante notar que as crianças são críticas, mas freqüentemente são também conservadoras. Isso fica claro, no trabalho, na maneira como e opõem às relações muito livres entre os casais, e defendem um mínimo de estabilidade familiar. Referindo-se aos filhos de Esteban, personagem que muda freqüentemente de mulher ao longo da novela Kubanakan, uma menina comenta: deve ser muito chato para elas (as crianças), porque não têm uma madrasta fixa. Um aspecto que lhes é particularmente sensível é o odo como as crianças são tratadas nas cenas das novelas. Os personagens são reqüentemente apreciados, tendo mesmo seu lado mau relevado, quando são carinhosos com as crianças.
2. Alguns autores, dentre os quais se destaca Tatiana Merlo-Flores, apontam para a relação entre as ausências na vida das crianças (de espaços, de amigos, de família) e a importância que a televisão adquire nas suas vidas. Na escola de elite em que pesquisamos, mais de uma criança veio perguntar, enquanto preenchia o questionário, no item que lugares você tem para brincar, se podia responder na escola. O mesmo ocorreu na escola onde estudavam as crianças mais pobres, que vivem em sua maioria em casas nos morros.
3. A forte presença dos estereótipos de gênero é marcante. Percebe-se isso nas diferentes maneiras que as crianças colaboram com a pesquisa, quando o comportamento dos meninos manifestava freqüentemente indiferença e mesmo alguma hostilidade. As meninas são em geral mais participativas e calmas e, curiosamente, no momento da produção do vídeo assumem o controle e têm mais iniciativa que os meninos, que vêm um pouco a reboque.
Os estereótipos e mesmo a precocidade dos preconceitos no entanto ficam mais evidentes nas respostas dos questionários, em especial nas perguntas onde todos, meninos e meninas, deveriam indicar homens e mulheres que considerassem bonitos. Muitos meninos, nas diversas escolas, se recusaram a responder ao item homem bonito, justificando que não eram viados. Essas questões, no entanto, não foram problema para as meninas."


Identidade e Resistência: as crianças e as representações televisuais de corpo e sexualidade.
Tese de doutorado de Eliane Medeiros Borges
Pós-Graduação em Educação - UNICAMP
Defendida em 31/3/2004
Orientadora Dra. Patrícia Piozzi
Co-orientadora Dra. Maria Luísa Belloni
Este artigo foi apresentado na II Jornada de Debates sobre Mídia e Imaginário Infantil, em 2000 - Porto Alegre.
Artigo publicado originalmente no site Aurora
http://www.aurora.ufsc.br/index.htm

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