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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O QUE É A MORDAÇA GAY?

A mordaça gay é a lei plc122 criada para fechar a boca de quem não apoia a conduta imoral dos gls. a mordaça é a regeição a lei de DEUS. DEUS NÃO CONDENA O HOMOSSEXUAL CONDENA A PRÁTICA  E CONDUTA HOMOSSEXUAL.
 

Criminalização da Homofobia – análise da polêmica sobre o “substitutivo Marta-Crivella-Demostenes”.

Por Paulo Roberto Iotti Vecchiatti *
Instaurou-se grande polêmica nas duas últimas semanas entre militantes LGBTs e parlamentares sobre o PLC n.º 122/06, que pretende criminalizar a homofobia, pois a Senadora Marta Suplicy decidiu, inesperadamente, reapresentar o substitutivo por ela elaborado por volta de junho/2011 e que foi duramente criticado por Plenária do Movimento LGBT Paulista, que publicou carta aberta, enviada à Senadora (a qual, inclusive, enviou uma assessora à plenária, donde conhecedora das críticas) – e, pior, sem melhorar em absolutamente nada o referido projeto, que recebeu a alcunha de “projeto Marta-Crivella-Demostenes”, por ter sido elaborado pela Senadora Marta Suplicy em conversas com os Senadores Demostenes Torres, com a presença de Marcelo Crivella, segundo informado por militante presente em reunião prévia a tal plenária paulista e reconhecido pela Senadora em entrevista ao site Terra.\
Cabe lembrar que tal projeto causou irritação em parte da militância justamente porque apresentado pela senadora sem discussão com o movimento LGBT como um todo. Aparentemente, contou com o beneplácito de Toni Reis, na qualidade de presidente da ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, sem se preocupar em promover amplo debate com a militância LGBT como um todo e, aparentemente, contanto com o formalismo estatutário que permite a Toni Reis emitir opinião pela ABGLT como um todo, ainda que não tenha havido debates com todas as afiliadas acerca do tema.
As críticas, elaboradas pelo militante Marcelo Gerald e revisadas, juridicamente, por mim enquanto constitucionalista e por Thiago Vianna enquanto criminalista, encontram-se neste link – que traz 35 (trinta e cinco) pontos negativos de tal projeto.
Para defender a proposta de Marta Suplicy, a parcela da militância que a apoia encampou o discurso de que o texto por ela proposto está longe do ideal, mas que seria o possível pela correlação de forças do Congresso Nacional. Na verdade, em um primeiro momento houve pura e simples desqualificação dos críticos ou então de vitimismo em debates nos quais, após criticarem os críticos, se sentirem “ofendid@s” ou “atacad@s” quando suas críticas eram criticadas (!), na pior linha de incapacidade de aceitação de críticas; posteriormente, talvez pelo vulto que as críticas tomaram e por terem sido encampadas pelo Deputado Jean Wyllys, que reorganizou a Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT do Congresso Nacional, passaram a defender esta lógica de que “é o que seria possível para hoje”.
Não pretendo menosprezar o esforço de se tentar um “texto de consenso” para tentarmos uma aprovação mais tranquila no Congresso Nacional – no caso, no Senado. Contudo, a busca do consenso não pode gerar uma atitude de buscar a aprovação de qualquer coisa e a qualquer custo, no sentido de se aprovar um projeto de que, a pretexto de criminalizar o possível, não criminalizar praticamente nada. Explico-me:
Em análise dos tipos penais propostos, o projeto substitutivo da Senadora Marta Suplicy pretende criminalizar determinadas condutas discriminatórias nas relações de consumo e nas relações de trabalho, bem como a conduta de incitar a violência por motivo de sua orientação sexual e por identidade de gênero da pessoa. Além disso, pretende basicamente incluir sexo, orientação sexual e identidade de gênero como agravantes ou qualificadoras de crimes já previstos pelo Código Penal.
Penso que o Setorial LGBT do CONLUTAS definiu bem o que constitui esse projeto: “um passo para frente, dois passos para trás”. O passo para frente refere-se à criminalização de algumas condutas e a qualificação da discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero como agravante/qualificadora de crimes do Código penal, em especial na questão da injúria, que receberia a mesma punição da chamada “injúria racial” (uma injúria qualificada pela motivação do crime), cometida por motivo de cor de pele, etnia, procedência nacional e religião (a Lei de Racismo determinou essa forma de injúria qualificada quando pautada por estes motivos e o substitutivo em questão pretende incluir sexo, orientação sexual e identidade de gênero no mesmo dispositivo). Contudo, os dois passos para trás decorrem, basicamente (e a análise agora é minha), pela hierarquização de opressões que tal substitutivo, na prática, proporciona (a despeito de quaisquer intenções, por melhores que sejam, de seus defensores), pois ele deixará objetivamente claro que a discriminação por cor de pele, etnia, procedência nacional ou religião seria “mais grave” do que a discriminação por orientação sexual ou por identidade de gênero: ora, se a punição a aquelas discriminações é mais dura, isso deixa objetivamente claro que o Estado considera mais graves as discriminações punidas com maior rigor pela legislação.
Logo, absolutamente descabida e, inclusive, deselegante a crítica da Senadora Marta Suplicy ao Deputado Jean Wyllys, no sentido de que seria de uma “má-fé extraordinária” (sic) dizer que o projeto seria “inócuo”. Afirma a Senadora que o seu substitutivo cria crimes novos, nas relações de consumo e nas relações de trabalho, o que é verdade, bem como que cria condutas penais para se você for“chutado na rua” ou “xingado numa fala homofóbica”, o que não é verdade, pois injúria e lesão corporal já configuram crimes hoje, Senadora! De qualquer forma, não se diz que o substitutivo da Senadora seria totalmente inócuo, no sentido de não criar crimes novos, mas que ele é praticamente inócuo, por criar poucos crimes, de aplicabilidade muito restrita e que não criminalizam o essencial, que é o que chamei de injúria coletiva, ou seja, a ofensa a LGBTs em geral e não a uma pessoa LGBT concretamente considerada, bem como por não criminalizar a conduta de “praticar, induzir ou incitar o preconceito e/ou a discriminação” por orientação sexual e por identidade de gênero, que é o cerne da Lei de Racismo (art. 20), consoante infra explicitado.
Ademais, há um problema sério da atual proposta ao qual penso que a Senadora Marta Suplicy não deve ter considerado: foi formada uma comissão de juristas que visa a elaboração de um novo Código Penal. Nesse sentido, aprovado este substitutivo com a inclusão da discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero como agravante ou qualificadora de crimes no atual Código Penal, a aprovação do novo Código Penal trará a revogação de tais agravantes/qualificadoras se ele não vier a prever isso. Muito embora eu pense que essa revogação pura e simples seria inconstitucional por força do princípio constitucional implícito da vedação do retrocesso social, essa tese de inconstitucionalidade certamente causará grande polêmica e necessitará, para usar curiosa expressão proferida em julgamento do Supremo Tribunal Federal (sobre a Lei da Ficha Limpa), de um“salto triplo carpado hermenêutico” para manter em vigor artigos do Código Penal revogado juntamente com o novo Código Penal (a expressão foi usada de forma negativa pelo Ministro Ayres Britto contra uma tese do Ministro Peluso: aqui a expressão quer significar apenas que supõe-se um grande esforço interpretativo – que, no presente caso, seria válido a meu ver, mas que causaria polêmica). Ou seja, uma grande ginástica hermenêutica, que provavelmente será altamente polêmica, mas que pode ser evitada, seja com a inclusão de orientação sexual ou identidade de gênero na Lei de Racismo ou, ainda, com a “lei específica da criminalização da homofobia”, ao invés de alterar artigos do Código Penal, criar um artigo que crie uma agravante/qualificadora genérica, para qualquer crime motivado por tais razões – por exemplo, algo como “Aumenta-se a pena de qualquer crime, de um terço à metade, se o ato criminoso for motivado por conta da orientação sexual ou da identidade de gênero, real ou presumida, da vítima”, ou então algo como “A prática de ato tipificado como crime por legislação criminal aplicável ao território nacional será punida com a pena relativa ao referido crime, acrescida de um terço até a metade, se o ato criminoso for motivado por conta da orientação sexual ou da identidade de gênero, real ou presumida, da vítima”.
Aliás, o próprio presidente da comissão de juristas para elaboração do novo Código Penalafirmou que a homofobia deve ser incluída na lei de racismo por força de expressa ordem constitucional de legislar – a saber, o artigo 5º, inciso XLI, da Constituição Federal, que afirma que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” – artigo este que, a meu ver, demanda lei específica ou, no mínimo, legislação que puna especificamente a discriminação atentatória em comento. Muito embora eu entenda que a homofobia seja espécie do gênero racismo (vide abaixo), donde enquadrada na ordem constitucional de legislar relativa ao racismo (artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal), que afirma que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, em ambos os casos temos a exigência de aprovação de legislação específica que puna tal discriminação ou, no mínimo, de legislação que atente para as particularidades de tais condutas discriminatórias, relativamente aos “crimes em geral”.
Por outro lado, os próprios tipos penais que esse substitutivo pretende criar são problemáticos.“Induzir alguém à prática de violência de qualquer natureza” abarca apenas a conduta de convencer alguém ou um grupo a agredir outras pessoas; não abarca discursos discriminatórios nem a prática da violência em si e, além disso, não abarca o que chamei de “injúria coletiva”, ou seja, a ofensa contra uma generalidade de pessoas por conta de um traço comum a si (na linguagem cível, o dano moral coletivo). Essa foi, aliás, a intenção explícita com a elaboração desse artigo, pois ele veio a substituir a inclusão de orientação sexual e de identidade de gênero no artigo 20 da Lei de Racismo, que criminaliza a conduta de “Praticar, induzir e incitar o preconceito ou a discriminação” por cor de pele, etnia, procedência nacional e religião (lembrando-se que a redação original e o substitutivo de Fátima Cleide ao PLC n.º 122/06 pretendia incluir tais discriminações nos tipos penais da Lei de Racismo, com o original criando alguns outros tipos penais e o substitutivo de Fátima Cleide “enxugando” o projeto original, limitando-se a alterar artigos da Lei de Racismo mediante tais inclusões). Contudo, justamente para que os discursos de ministros religiosos não fossem criminalizados, o substitutivo de Marta Suplicy retirou as condutas de praticar e incitar ao preconceito ou discriminação, na tentativa da senadora de conseguir um acordo com as bancadas religiosas – o que, a meu ver, se deu porque os religiosos fundamentalistas sabem que é exatamente isso que eles fazem: pregam o preconceito e a discriminação a LGBTs por conta de sua orientação sexual ou sua identidade de gênero…
Aliás, a Carta Aberta do Movimento LGBT Paulista, ao se opor a tal substitutivo, ressaltou justamente que não poderia ser retirada a essência do PLC n.º 122/06 – e tal essência é justamente o art. 20 da Lei de Racismo, como inclusive afirmado pelo Movimento Judaico quando protestou veementemente contra a inclusão, na Lei de Racismo, de parágrafo ao referido art. 20 (que continuaria incluindo orientação sexual e identidade de gênero) que dizia que tal artigo não se aplicaria a manifestações pacíficas de pensamento pautadas na liberdade de crença e de consciência – o que certamente trouxe ao referido movimento as nefastas lembranças da época em que a fé cristã era usada como “justificativa” para se discriminar os judeus (bastando lembrar um caso: no passado, judeus eram obrigados a se converter ao catolicismo para não serem perseguidos pelo Estado…).
Em entrevista, disse a Senadora que a maior parte das sugestões recebidas para criminalização da homofobia, após as críticas da Plenária do Movimento LGBT Paulista, pecavam por deficiente técnica legislativa (embora não tenha dito quais) ou porque traziam de volta o texto anterior do PLC 122/06 (deixando a entender, portanto, que isto está fora de cogitação para ela… no que, provavelmente, incluiu a sugestão que eu próprio enviei, relativa ao artigo 20 da Lei de Racismo (“Praticar, induzir ou incitar o preconceito e/ou a discriminação” por orientação sexual e/ou por identidade de gênero).
Essa postura, descrita no parágrafo anterior, traz uma situação extremamente inusitada, pois me parece óbvio que não é adequado indagar a violadores de direitos humanos o que deve constar em uma lei que visa punir atos atentatórios de direitos humanos – e a Senadora Marta, ao indagar aos setores conservadores sobre o que aceitam que conste na Lei Anti-Homofobia e não aceitar voltar ao cerne do texto anterior (substitutivo de Fátima Cleide), está praticamente perguntando aos setores homofóbicos o que eles aceitam que seja punido na Lei Anti-Homofobia e não aceitando mudar sua postura, a despeito de críticas…
Cabe lembrar que aquele discurso absurdo da Deputada Estadual Myryam Rios, praticamente equiparando homossexualidade a pedofilia (típica “injúria coletiva” a homossexuais em geral) e praticamente defendendo o direito de demitir uma pessoa por conta de sua homossexualidade, foi proferido como oposição a uma emenda à Constituição Estadual do Rio de Janeiro que visaria punir a“discriminação por orientação sexual”, ponto. Ou seja, os setores conservadores se opuseram a uma legislação constitucional que ficava no mínimo possível: a vedação de discriminações… Não se instituía pena nenhuma, apenas se tornava explícita a vedação à discriminação por orientação sexual e mesmo assim a maioria da Assembleia Legislativa do Rio e Janeiro a isto se opôs… Isso, penso, deixa claro que não há diálogo possível com os opositores da criminalização da homofobia. Deve-se tentar um diálogo com os moderados do Congresso Nacional, não com os efetivos opositores da referida criminalização.
Aliás, sobre o tema, parece ter faltado uma tentativa de conscientização dos senadores em geral sobre o fato evidente de que o substitutivo de Fátima Cleide para criminalização da homofobia não viola a liberdade de expressão. Muito embora eu considere (e já tenha escrito que) a versão original também não a violava , fato é que o substitutivo de Fátima Cleide enxugou o PLC n.º 122/06 para formar um “caminho do meio” com os setores conservadores do Senado Federal: sobre homofobia e transfobia, ele se limitava a incluir as expressões “orientação sexual e identidade de gênero” na Lei de Racismo. Ora, considerando que “fundamentações” religiosas eram usadas no passado para se pregar a discriminação contra negros e minorias religiosas, a menos que se diga (absurdamente) que a Lei de Racismo afrontaria a liberdade de expressão, a crítica é, no mínimo, incoerente. Mesmo porque liberdade de expressão não garante o direito a discursos de ódio, a discursos discriminatórios/segregacionistas em geral nem a discursos ofensivos a pessoas individual ou coletivamente consideradas. Parece-me ter faltado à Senadora Marta Suplicy a conscientização dos demais senadores dessa obviedade – e dela própria, pois descabida sua fala, em entrevista, de que a Constituição permitiria à pessoa o “direito de falar o que quiser” (sic)… Ora, sendo a liberdade o direito de se fazer o que se bem entender desde que não se prejudiquem terceiros, considerando que tais discursos prejudicam os terceiros que deles são vítimas, os mesmos não se encontram no âmbito de proteção da liberdade de expressão. Felizmente o Brasil se aproxima mais da vertente europeia que da estadunidense sobre o tema, admitindo que o direito ao respeito à dignidade da pessoa humana da vítima se sobrepõe a um pretenso direito do ofensor de proferir discursos discriminatórios, preconceituosos ou ofensivos em geral.
Como reconheceu Toni Reis, presidente da ABGLT, depois de quase duas semanas de críticas a tal substitutivo, em Carta Aberta ao Congresso Nacional sobre a criminalização da homofobia, não podemos nem faremos mais concessões, pois o projeto não pode hierarquizar discriminações e violências, donde a violência contra LGBTs deve ser punida da mesma forma que a violência contra uma pessoa judia, negra, indígena, com deficiência, uma mulher, sendo que não queremos leis genéricas por sabermos que a violência em nosso país tem cor, tem situação econômica e tem orientação sexual e identidade de gênero, donde não podemos ficar satisfeitos com migalhas oufatias de pão; queremos [e merecemos] o pão inteiro.
Enfim. Voltemos ao texto proposto por Marta Suplicy (embora a mudança de posição de Toni Reis sinalize o fim da divisão da militância para haver união total para a inclusão da discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero na Lei de Racismo, vale a pena continuar a análise do substitutivo em debate).
Sobre os limites da liberdade de expressão, afigura-se extremamente problemático o artigo 3º do Substitutivo Marta-Crivella-Demostenes, que afirma que “O disposto nesta Lei não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal”. A justificativa da Senadora é o de que o referido inciso VI do art. 5º da Constituição garante a liberdade de consciência, de crença e de religião, donde a lei estaria apenas deixando claro que não feriria a liberdade de expressão, de crença e de religião. Contudo, o artigo tem uma abrangência problemática: será que uma ofensa (injúria, individual ou coletiva), motivada pela crença religiosa ou pela consciência moral da pessoa estaria isenta de punição? Então as pessoas terão o direito de ofender LGBTs desde que o façam de forma pacífica? Aliás, o que seria essa “manifestação pacífica de pensamento”? A Senadora, atribuindo caráter absoluto à liberdade de expressão, afirma que ela garante o “direito de falar o que quiser” (sic), em posição supra criticada, mas que não garante o direito a incitar a violência, previsto no art. 7º de seu substitutivo. Mas então quer dizer que uma ofensa que não incite a violência seria permitida por este projeto? São muitas questões em aberto – mas, ao invés de deixar à jurisprudência definir, sem o referido art. 3º, o que seria punível, agora teremos que deixar a jurisprudência definir o que não seria punível…
Evidentemente não me oponho ao direito à manifestação respeitosa de opinião pautada na fé religiosa da pessoa. Em minha dissertação de mestrado, afirmei que opiniões respeitosas, embora críticas, à pessoa homossexual não configurarão crime por força do PLC n.º 122/06, e que, portanto, criticar um homossexual por sua conduta de forma respeitosa, sem ofender sua honra mediante singelas afirmações comprovadas por provas não é crime hoje e nem o será com o PLC n.º 122/06, afirmando, contudo, que criticar todos os homossexuais por sua mera homossexualidade como pessoas moralmente reprováveis pelo simples fato de amarem pessoas do mesmo sexo é tão arbitrário quanto criticar todos os negros por sua mera cor de pele como pessoas moralmente reprováveis, como fundamentalistas religiosos faziam não muitas décadas atrás, sendo que isso é crime (injúria e/ou difamação) e ilícito civil (dano moral) hoje e continuará sendo com o PLC n.º 122/06, embora com uma pena maior; afirmei, ainda, que a liberdade religiosa não será afetada pelo PLC n.º 122/06, pois, como há trechos bíblicos cuja literalidade aparenta condenar a homossexualidade, ministros religiosos podem dizer, com base em uma simplista e acrítica exegese destas palavras, que a homossexualidade seria um “pecado”, embora a interpretação histórico-crítica da bíblia aponte em sentido contrário. Anotei que aqui vale o livre debate de ideias respeitosas, mas que, contudo, uma coisa é dizer que a homossexualidade seria um “pecado”, mas outra bem diferente é dizer que homossexuais seriam “promíscuos”, “devassos”, que a adoção por casais homoafetivos seria uma “agressão ao menor” e outros impropérios do gênero, tendo em vista que tais considerações não estão pautadas pela exegese bíblica e menos ainda por dados empírico-científicos que lhes sustentem. Assim, concluí que, considerando que a liberdade religiosa não garante a religiosos o direito de proferirem impropérios ofensivos a quem quer que seja, tem-se que ela não será restrita pelo PLC n.º 122/06 pelo fato de tais impropérios ofensivos estarem vedados pelo âmbito de proteção penal de tal projeto legislativo, mesmo porque eles já estão abarcados no âmbito de proteção penal dos atuais tipos penais de injúria e difamação, assim como no âmbito de proteção civil da indenização por danos morais.
Contudo, o referido artigo 3º poderá dar a juízes uma justificativa para permitir ofensas a LGBTs desde que sejam “apenas ofensas”, ou seja, que não induzam ninguém à violência… quer dizer, ofensas que incitem à discriminação e ao preconceito podem acabar sendo aceitar… Isso mostra toda a problemática desse artigo. Conforme digo desde que Marta Suplicy apresentou uma versão inicial deste artigo em junho/2011, o ideal seria deixar que a jurisprudência, construindo os limites da liberdade de expressão e da abrangência da referida criminalização com base na cláusula constitucional da liberdade de expressão, de consciência e de crença, delimitasse, a partir de casos concretos, quais seriam as hipóteses em que a criminalização afrontaria tais direitos fundamentais. Ou seja, que a jurisprudência analisasse casos concretos de discursos homofóbicos (que preguem o preconceito e/ou a discriminação contra LGBTs) para ver quais seriam condizentes com a liberdade de expressão e quais não seriam, para, no primeiro caso, deixar de aplicar o tipo penal por inconstitucionalidade na aplicação (reconhecendo que a lei é constitucional em tese, mas inconstitucional em sua aplicação em determinado caso concreto), o que talvez reste prejudicado por um artigo tão genérico que simplesmente diga que a lei penal não se aplica “à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião”… Logo, entendo que o artigo deveria ser retirado, por poder gerar impunidade, ao passo que a liberdade de expressão, de consciência e de crença religiosa poderia ser resguardada pelo Poder Judiciário, quando o caso, mediante a não-aplicação da punição penal em casos reconhecidos como abarcados pelo âmbito de proteção de tais direitos fundamentais.
Vejamos, agora, os outros tipos penais do referido substitutivo.
Os crimes específicos que o Substitutivo de Marta Suplicy pretende criar também não são despidos de problemas, na medida em que não cabe aplicação de analogia no Direito Penal para criminalizar condutas (admite-se a chamada analogia in bonam partem, ou seja, descriminalização ou diminuição de penas por analogia, mas não a analogia in malam partem, que é a criminalização ou aumento de penas por analogia). Com efeito, no artigo sobre discriminação no mercado de trabalho, após criminalizar a conduta de “Deixar de contratar ou nomear alguém ou dificultar sua contratação ou nomeação, quando atendidas as qualificações exigidas para o posto de trabalho, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”, o parágrafo único afirma que nas mesmas penas incorre quem, durante o contrato de trabalho ou relação funcional, confere tratamento diferenciado ao empregado ou servidor por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. Contudo, relação funcional e servidor são termos técnicos voltados a designar funcionários públicos em geral (servidores públicos), donde o dispositivo pode acabar sendo interpretado como limitado a relações de emprego (com carteira assinada) e ao funcionalismo público, não abarcando os diversos contratos de trabalho e de prestação de serviços que não se encaixam nestes conceitos estritos (pense-se nos casos de trabalhadores autônomos ou que prestam serviços por intermédio de suas empresas). O ideal seria, para um tal artigo, ter afirmado “durante o contrato de trabalho ou de prestação de serviços” e tratamento diferenciado ao empregado “ou prestador de serviços, qualquer que seja a natureza do contrato de trabalho ou de prestação de serviços firmado entre as partes”. Afinal, no Direito Penal, só é crime aquilo que está expresso na legislação.
Ademais, não há um crime específico de, por assim dizer, discriminação em geral. Só são punidas discriminações nas relações de trabalho e nas relações de consumo, mas não nas relações sociais em geral, dado que, como dito, não cabe analogia criminalizadora no Direito Penal. Logo, fora das relações de trabalho ou das relações de consumo, a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero não é criminalizada por tal substitutivo. Uma relação locatícia não é uma relação de consumo quando o locador não tem uma empresa ou uma atividade empresarial de locação de imóveis, logo, esta situação está abarcada. A relação entre clube e sócios não é uma relação de consumo, mas uma relação associativa, logo, a negativa de concessão de título de sócio por conta de orientação sexual e por identidade de gênero não é abarcada por tal substitutivo.
Assim, o ideal manter a inclusão de orientação sexual e identidade de gênero no artigo 20 da Lei de Racismo, criminalizando a conduta de “Praticar, induzir ou incitar o preconceito ou a discriminação”por orientação sexual ou por identidade de gênero, por isso punir criminalmente toda e qualquer forma de discriminação (afinal, a conduta de “praticar discriminação” estaria criminalizada). Não aceita tal hipótese por conta da chamada “conjuntura política” e/ou da “correlação de forças”, o mínimo que se poderia admitir era criar um tipo específico que criminalizasse a conduta de“Discriminar alguém, conferindo-lhe tratamento diferenciado ao conferido às outras pessoas, por conta de sua orientação sexual ou identidade de gênero”. Se o art. 20 da Lei de Racismo recebe (descabidas) críticas de parte da doutrina por conta do princípio da taxatividade penal, que prega que a lei penal deve ser clara em seu conteúdo (e a critica é descabida por todo mundo saber que “preconceito” é juízo arbitrário/injustificado e “discriminação” o tratamento diferenciado motivado por razões arbitrárias/irrazoáveis), tal crítica não seria pertinente ao dispositivo ora sugerido, pois ele define a conduta de discriminar, atendendo assim aos reclamos da compreensão mais tradicional do princípio da taxatividade (ao passo que, se o art. 20 da Lei de Racismo não foi declarado inconstitucional até hoje, isso já traz um sinal, uma presunção relativa, de que ele não afronta a taxatividade penal, mesmo porque a lei penal desde sempre admitiu a criminalização válida de conceitos jurídicos indeterminados, entendidos como tais aqueles não definidos pela lei, quando eles são claros em seu conteúdo, como clara é a compreensão de “praticar, induzir ou incitar ao preconceito e à discriminação”…).
Cabe concordar com os que afirmam que a aprovação de um texto fraco como o deste substitutivo agradaria, inclusive, o Governo Brasileiro, pois não criaria grandes conflitos com a base governista conservadora e/ou fundamentalista já que terá aprovado uma lei que será praticamente inócua para combater a homofobia em geral, ao passo que criará uma “desculpa” do Governo Brasileiro para com a comunidade internacional, no sentido de que o país terá “aprovado uma lei”, contendo aquilo que “foi possível” pela “conjuntura de forças” do país, para passar a impressão de país que combate a discriminação homofóbica… o que, inclusive, dificultaria a condenação do Brasil em eventual denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por sua inércia na adoção de medidas legislativas de combate à homofobia. Logo, considerando que este substitutivo não criminaliza praticamente nada de novo (cria basicamente agravantes/qualificadoras e três tipos penais de aplicabilidade bem restrita – sobre relações de consumo, de trabalho e incitação à violência), essa quase-inutilidade da lei dele decorrente parece tornar mais proveitoso que se lute apenas por um projeto abrangente que criminalize o essencial ao mesmo tempo em que se apresente uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra esta perniciosa inércia estatal na criminalização da homofobia de maneira minimamente condizente com a gravidade de tal conduta, com tipos penais adequados e não por intermédio de uma lei praticamente inútil no campo da sua aplicabilidade (prática)…
Anote-se, por fim, outro tema: tem ganhado voz a proposta de que, na criminalização da homofobia, se estabelecessem penas alternativas à privação da liberdade: ou seja, ao invés de prender o criminoso, aplicar-se uma outra espécie de pena, algo como prestação de serviços à comunidade, participação em cursos de direitos humanos para lhe educar a não ter mais uma conduta preconceituosa/discriminatória como a que ensejou sua punição etc. Pois bem. Muito embora esse Direito Penal Restaurativo seja louvável em seu intuito e a ele eu particularmente não me opor em tese, se elaborado em um contexto global de sistema penal restaurativo, a proposta não me parece válida enquanto não se mudar o Sistema Penal como um todo. Com efeito, o sistema penal brasileiro é punitivista. O Código Penal vigente é punitivista em seu intuito e se pauta, como regra, na pena privativa de liberdade. O que causa temor nas pessoas e faz com que a sociedade, por vezes, peça o recrudescimento da legislação penal não é o fato de uma conduta configurar “crime”, mas o fato de a conduta tida como criminosa ensejar a pena privativa de liberdade. Logo, enquanto não for alterado o sistema penal brasileiro como um todo para se adotar essa Justiça Restaurativa à Justiça Penal em sua globalidade, permitir que a punição da discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero seja punida com pena diversa da pena privativa de liberdade quando a discriminação por cor de pele, etnia, procedência nacional ou religião é punida com a pena privativa de liberdade implicará, mais uma vez, na hierarquização de opressões por parte da legislação, que estará considerando estas quatro últimas como mais graves do que as duas primeiras, na medida em que estará dando àquelas uma punição (privação da liberdade) mais dura/grave do que a estas (não-privação da liberdade). Seria uma incoerência no sistema penal. Novamente, com todo o respeito, não importa quais são as intenções dos propositores disto no atual contexto, as quais acredito serem as melhores possíveis: faça-se uma pesquisa na sociedade e pergunte se as pessoas entrevistadas consideram se a criminalização com pena privativa de liberdade torna a punição mais rigorosa do que a criminalização sem a privação da liberdade e se as pessoas entrevistadas consideram que tal diferença de punições enseja um juízo de valor de maior gravidade nas punições com a privação da liberdade. Fica aqui a aposta de que o resultado da pesquisa será no sentido da consideração de maior gravidade dos crimes punidos com privação de liberdade. Logo, a proposta de criminalizar a homofobia com penas alternativas à privação de liberdade efetivamente hierarquiza opressões no sistema penal vigente.
Como o princípio da igualdade determina que situações idênticas ou análogas recebam tratamento idêntico e considerando a impossibilidade de analogia criminalizadora no Direito Penal, tem-se que o direito à igual proteção penal a situações idênticas ou análogas demanda que os crimes de discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero sejam punidos da mesma forma que os crimes de discriminação por cor de pele, etnia, procedência nacional ou religião – até porque a homofobia é espécie do gênero racismo, pois racismo é toda ideologia que pregue a superioridade/inferioridade de um grupo relativamente a outroconsoante, inclusive, bem explicitado pelo (renomado) criminalista Guilherme de Souza Nucci, o qual, com base na decisão do Supremo Tribunal Federal em famoso caso de antissemitismo (STF, HC n.º 82.424/RS – caso Ellwanger), afirmou que “Racismo: é o pensamento voltado à existência de divisão dentre seres humanos, constituindo alguns seres superiores, por qualquer pretensa virtude ou qualidade, aleatoriamente eleita, a outros, cultivando-se um objetivo segregacionista, apartando-se a sociedade em camadas e estratos, merecedores de vivência distinta”,donde o racismo, como acabamos de expor, é, basicamente, uma mentalidade segregacionista (In: Leis Penais e Processuais Comentadas, 5ª Edição, 2010, p. 306).
Logo, o correto é a inclusão da discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero na Lei de Racismo, por serem as discriminações por orientação sexual e por identidade de gênero espécies do gênero racismo ou, ainda que assim não se entenda, por serem discriminações análogas ao racismo – e, se constituem racismo, devem ter a mesma proteção penal e, portanto, todos as espécies de racismo devem ser punidas da mesma forma.
Valem, acerca do tema, as considerações do juiz Roger Raupp Rios, que em nota criticou o substitutivo de Marta Suplicy.
De qualquer forma, como “solução de compromisso” sobre o tema da Justiça Penal Restaurativa, já propus em debates que fossem criados presídios separados ou, no mínimo, alas prisionais separadas para pessoas condenadas por crimes de discriminação (qualquer que seja – por cor de pele, etnia, procedência nacional, religião, orientação sexual, identidade de gênero, sexo, idade, deficiência etc). Já propus, ainda, uma luta para implementação da Lei de Execuções Penais, que já prevê o dever de trabalho e educação do preso como forma de sua ressocialização – afinal, a pena não tem apenas o caráter punitivo; tem, também, a função de ressocializar o preso. Essa seria, a meu ver, uma solução mais viável a curto prazo no sistema penal brasileiro.
Sobre o tema, em debate do qual participei, organizado pelo Setorial LGBT do PSOL – Partido Socialismo com Liberdade, o militante Paulo Tavares Mariante (aqui parafraseado, em paráfrase de memória) afirmou que “o Estado Capitalista” não teria interesse em promover tais posturas ressocializadoras do preso ou mesmo tal construção de presídios específicos ou a criação de alas específicas a presos (ante a tese socialista de que o capitalismo seria, necessariamente, um sistema de opressão). Como ele era o debatedor da mesa e eu um dos participantes, não havia isonomia nos tempos de fala (!), o que prejudicou a continuidade do debate. De qualquer forma, o que pude apontar naquela oportunidade foi que é, no mínimo, curiosa a forma como o respeitável militante aplicou verdadeiros dois pesos e duas medidas a nossas propostas: com efeito, enquanto presume a má vontade “do Estado Capitalista” para a implementação da legislação em vigor (Lei de Execuções Penais) e das soluções alternativas, de compromisso, que sugeri (presídio ou ala separada para crimes diferenciados), aparentemente presume uma “boa vontade estatal”, deste mesmo “Estado Capitalista”, para implementar sua proposta de penas alternativas para crimes de ódio/preconceito/discriminação… Ou será que ele acredita que teremos um “Estado Socialista”genuíno (não o do “Socialismo Real”, claro, mas aquele idealizado por seus teóricos) em um curto espaço de tempo?! Realmente, foram dois pesos e duas medidas – e, data venia, além da proposta que fiz ser exequível, a dele e dos demais que defendem uma Justiça Penal Restaurativa na lei de criminalização da homofobia, a despeito da incoerência sistêmica que isso geraria ante o sistema penal punitivista vigente, ainda carece de explicação sobre quais seriam essas “penas alternativas”: Mariante concorda que não sejam “cestas básicas” nem que sejam aplicáveis a crimes com violência, mas é preciso dizer quais seriam exatamente e como o Estado fiscalizaria o cumprimento de tais penas (nesse sentido, a proposta alternativa que fiz é, realmente, muito mais fácil de ser executada, além de ser coerente com o sistema penal vigente).
Para finalizar o tema da Justiça Penal Restaurativa, vale dizer o seguinte: está muito claro que os criminalistas em geral têm, como pré-compreensão, que as prisões configuram verdadeiras masmorras e que, por isso, não se deve privilegiar o recrudescimento da legislação penal para promoção dos direitos humanos de grupos discriminados. Que as prisões hoje configuram verdadeiras masmorras na generalidade dos casos é algo inquestionável, contudo, o que me causa espanto é o fato das pessoas com tal pré-compreensão terem, ainda, claramente, outra pré-compreensão: a de que nunca seria possível a prisão deixar de ser uma masmorra e, portanto, ressocializar o preso. Ora, isso é de um conformismo inacreditável, uma resignação inaceitável. Que se descriminalizem condutas que sejam consideradas não-tão-graves para receberem a pena privativa de liberdade ou, ao menos, que se permita ao criminoso a possibilidade de reparação do dano (nos casos, por exemplo, de crimes contra o patrimônio ou contra a honra, por indenização por danos materiais e morais, respectivamente) para, somente com sua recusa ou impossibilidade de reparação, efetivar uma pena alternativa e, se também a ela se recusar, uma pena privativa de liberdade. Luís Roberto Barroso, um dos grandes constitucionalistas da contemporaneidade, sugeriu no seu discurso de encerramento da XXI Conferência Nacional dos Advogados que se tente, inclusive, a prisão domiciliar, fiscalizada pelo Estado, para somente após encarcerar-se o criminoso em algum presídio, o que talvez diminua os custos do Estado com tal preso. Talvez essas sugestões, realmente, diminuam a lotação dos presídios e tornem mais exequível a ressocialização dos presos. De qualquer forma, com o sistema penal vigente, é preciso efetivar a função ressocializadora da pena. Não se pode partir de um conformismo ou de uma resignação no sentido de que “é assim desde sempre e não será possível nunca mudar” para pura e simplesmente se desistir da pena privativa de liberdade. A pena, como seu próprio nome diz, tem também a função punitiva e, portanto, crimes de alta gravidade social que afrontem bens jurídico-penais de hierarquia constitucional devem ser por ela punidos – e a discriminação por orientação sexual ou por identidade de gênero afronta bem jurídico-penal de hierarquia constitucional (o dever constitucional de tolerância, oriundo da vedação constitucional a discriminações preconceituosas de quaisquer espécies – artigo 3º, inciso IV), a qual não tem conseguido ser coibida pelos demais ramos do Direito, ante leis estaduais e municipais anti-discriminatórias com punições administrativas (advertências, multas, suspensões/cassações de licenças de funcionamento etc) não estarem sendo eficazes o bastante para coibir tais atos discriminatórios (que o diga o Estado de São Paulo, o qual, apesar da Lei Estadual n.º 10.948/01, continua com considerável incidência de atos de homofobia e transfobia). Essa ineficácia dos outros ramos do Direito, aliás, mostra que a criminalização da discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero respeita, inclusive, os ditames do Direito Penal Mínimo, que prega a criminalização unicamente de condutas que afrontem bens jurídico-penais relevantes nos casos em que os demais ramos do Direito não sejam aptos a resolver tal problemática.
Enfim.
O presente artigo fez algumas digressões para explicitar os motivos das críticas ao substitutivo que Marta Suplicy pretende apresentar ao PLC n.º 122/06. Como se vê, não se trata de oposição puramente “político-partidária” à senadora nem, muito menos, se trata de uma oposição arbitrária. Há fortes argumentos contrários. Aos membros do Movimento LGBT que apoiam esse substitutivo que Marta pretende apresentar, vale reiterar o que já foi dito em algumas redes sociais: cada um tem o direito de apoiar o que bem entender, mas apoiar este substitutivo supõe entender precisamente todas as suas falhas. Foi isso que as críticas a ele direcionadas, as quais tentei expor no presente artigo, intencionaram fazer. Os críticos não devem ser vistos como inimigos da causa: muito pelo contrário, o que pretendemos é uma criminalização minimamente efetiva no combate à homofobia. Aprovar uma lei pelo simples fato de conseguir a aprovação de qualquer coisa teria um meramente um limitadíssimo efeito simbólico, pautado por um fetichismo na lei de ter uma lei penal criminalizando a homofobia a despeito da praticamente inutilidade de tal lei para fins penais. Embora toda lei punitiva tenha um efeito simbólico a si inerente (a condenação estatal à conduta por ela punida), não se deve buscar uma lei puramente simbólica (e, portanto, inefetiva). Sinceramente, o movimento LGBT brasileiro tem que perder o medo de levar temas a votação no Congresso Nacional: diversos países enfrentaram derrotas em votações sobre o casamento civil homoafetivo antes dele ser aprovado e, enfim, duas pessoas do mesmo sexo poderem se casar entre si.
Invoco isso como um apelo a que não se apoie a aprovação de qualquer coisa pelo medo da derrota: coloque-se em votação para vermos quem são, efetivamente, nossos aliados, evidentemente fazendo-se advocacyprévio com os parlamentares para tentar convencê-los da pertinência e constitucionalidade da lei. Caso haja derrota, apresente-se novo projeto de lei, com as adequações que se julguem necessárias, embora sempre mantendo a essência, o coração, o cerne do que se pretende criar – no caso, criminalizar. De que adianta não termos projetos rejeitados se eles nunca são votados? Coloque-se em votação e, em caso de derrota, utilize-se isso em campanha que aponte a homofobia institucional do Congresso Nacional brasileiro – quem sabe assim não conseguimos uma condenação internacional do Brasil, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, obrigando o país a criminalizar adequadamente a homofobia? São reflexões que precisam, efetivamente, ser levadas a sério…

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